Páginas

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Brasilia - 50 anos



Escrito por Ricardo Zani

Concebida para ser ambiente de trabalho, desde o início ela é diferente. Nasceu de um sonho, surgiu no papel, ergueu-se com ousadia. Ponto de chegada, partida, morada, guarida e safadeza bem sabida. Isso é Brasília. Alguns vieram e logo se foram, outros estão sempre de passagem, mas muitos ficaram e trabalham duro.

Hoje, é fácil distinguir um morador de um visitante ou de um pára-quedista corrupto. Basta observar.

O morador diz que um determinado lugar fica perto quando a distância é de 50 km.
Para ele, Pão-de-Açúcar é Jumbo, rotatória é queijinho, retorno é tesourinha, pintado é surubim, funilaria é lanternagem, radar é pardal, encanador é bombeiro.
Sabe que Samambaia não é uma planta, Venâncio não é nome de gente, Asa não é para voar, entrar no Eixo não endireita ninguém e Escola Classe significa escola.
Conhece pelo menos cinco pessoas que cursam Direito.
Em cada 10 mulheres, conhece 11 que são, foram ou serão psicólogas.
Pelo menos uma vez, apressou-se em atravessar a rua para escapar da chuva que caía no outro lado (numa cidade bem planejada, chove por setor e com hora marcada).
Apesar de tudo, sente-se normal quando a umidade relativa do ar cai a 10%.
Admite que não façam festas juninas em janeiro, fevereiro e dezembro. Mas ficar um fim-de-semana sem fazer churrasco, aí já é demais!
Ao ver-se num engarrafamento por mais de três minutos, manobra rápido no canteiro central e escapa do congestionamento, dando a volta pela Barragem do Paranoá ou Recanto das Emas.
Usa numerais no feminino. Ele nasceu na 12, estudou na 6 e hoje mora na 13.
Domina bem os endereços em coordenadas cartesianas e adaptou-se às diferenças entre as quadras. Se o endereço é nas 100, 200 ou 300, trata-se de um apartamento bom; nas 400, prepara-se para subir escadas; nas 700, vai mais cedo para procurar estacionamento.
Vê com naturalidade a definição das áreas: setor de diversões, setor de abastecimento, setor de inundações, setor das gangues...
Entende muito bem o que significa dizer: “Eu moro no Lago”, gente rica!
Em alguma época fez parte de um grupinho de rock experimental que nasceu e morreu na garagem de um amigo.
Vê um motorista fazendo peripécias em Taguatinga e diz “Só pode ser goiano”.
Gentilmente, cede passagem ao motorista que faz sinal com o polegar para furar fila ou que se posiciona à esquerda quando pretende virar à direita.
Tem 18 parentes fazendo cursinho para concurso público. Outros 20 já são concursados.
Fica chateado quando lhe pedem para dar um recado ao Presidente.
Dedica-se muito (e reclama pouco) quando vai contratar uma secretária doméstica. Aprendeu que nesse difícil processo, o entrevistado é ele. Caso se saia bem e adote boa política de RH, talvez a candidata o escolha como patrão.
Fica indignado quando alguém de fora diz que a melhor coisa para se fazer em Brasília é ir ao aeroporto e pegar um avião para o Rio. Mas, quando ele pode, faz exatamente isso.
Mudou-se feliz para um novo condomínio, a 60 km do seu trabalho. Até reconhece que tem de rodar muito. Mas vale a pena. Aquele condomínio está na moda e ainda tem playground e churrasqueira.
Tem um conhecido procedente do Nordeste, que um dia resolveu fazer a mudança de volta, e mais uma vez mudou-se para cá, mas já fala em ir embora novamente...
Numa sexta-feira à noite, repassa a agenda de telefones, a programação da cidade e seu armário de roupas. Mas acaba pedindo pizza por telefone, para comer enquanto bate papo na internet.
Seu roteiro mais assíduo para os sábados de manhã é: rua das elétricas, revendas de carros e lojas de construção.
Não se importa se o imóvel que comprou fica em um edifício que leva o nome de quem o construiu, mesmo sabendo que o ilustre homenageado fez fortuna com o suado dinheiro dos compradores.
Necessitando ou não, veste paletó e gravata para fazer alguma coisa em algum lugar (em horários de trânsito intenso). Ou apenas para se apresentar à gatinha.
Algum dia deixou o carro em fila dupla para ir ao banco. Outro dia, teve o carro preso na fila dupla e espumou de raiva. Mas, nessas horas, costuma sorrir compreensivo quando a motorista que o trancou retorna meia hora depois, com aquele simpático “Oh, descuuulpe!”.
Certa vez, pensou em vender a moto ou as ações na Bolsa de Valores para comprar dois ingressos daquele esperado espetáculo no Teatro Nacional.
Quando vê o dia começar friozinho, sabe que até a noite a temperatura ainda vai subir e descer algumas vezes. Ou vice-versa.
Não reclama ao ver que a boate da moda dura só três meses. Consola-se com os bares, que duram alguns dias mais.
Não entende, mas acha normal que os telefones comerciais tenham números trocados periodicamente e que o catálogo telefônico chegue desatualizado de A a Z.
Quando viaja para Porto Seguro, é confundido com agressor de garçons e incendiário de índios. Nos demais lugares, pode ser visto como membro de quadrilhas políticas.
Por isso, não gosta de comprar carro preto. Compreende o risco de ser confundido e xingado em outras cidades.
Conhece 20 pessoas que foram ao Rio de Janeiro uma vez na vida e têm mais sotaque que o verdadeiro carioca.
Como todo mundo, revolta-se com o nível ético da classe política. Mas acaba achando que não está tão mal, quando pensa na “qualidade” da política local.

Se a pessoa que você conheceu se enquadra em pelo menos 10 dessas condições, realmente é de Brasília. E também é gente boa. Trate-a bem.

Nenhum comentário:

Posts Relacionados

Related Posts with Thumbnails